quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O dia em que o Doutor Sócrates comemorou um título do São Paulo

Em 2000, eu comemorei um título do São Paulo junto com Doutor Sócrates, o Magrão, o eterno ídolo corinthiano. É sério. Naquele ano, o Tricolor empatou a decisão com o Santos, em 2 a 2, e ganhou o Campeonato Paulista. Após eu ter participado da cobertura do jogo final no Morumbi, a Folha me despachou para cobrir a festa da conquista num bar do Itaim, em São Paulo. Fui com o Ricardo Perrone (hoje no UOL), velho companheiro.
Nós conhecíamos o Magrão desde quando trabalhávamos na sucursal de Ribeirão Preto e o víamos com freqüência nos bares da cidade. Já tínhamos tido várias oportunidades (que não desperdiçamos) de reverenciar o mito da democracia e da seleção de 1982. Mas encontrá-lo na festa do São Paulo era bem esquisito. Enquanto ainda aguardávamos a liberação da diretoria do São Paulo na entrada do Bar Des Arts, ouvimos a voz eloquente do Doutor escapando do salão principal, e o Perrone falou “Não, não é possível”.
Mas era, juro que era, cena inesquecível: o Doutor de copo na mão e faixa comemorativa do São Paulo amarrada na cabeça! Não acreditei. Eu tinha praticamente pedido para cobrir a festa, primeiro por ser são-paulino e depois para tentar dar um abraço no Raí, ídolo do Tricolor que havia retornado da França e, como de costume, levantado mais caneco. O mais legal é que o Sócrates, sujeito de coração largo, tinha tido ideia igual. Ele estava lá por causa do irmão caçula, queria brindar a conquista dele.
Nos aproximamos da mesa sem cerimônia, e o Magrão gritou “Ô Gordão, você por aqui?”, era assim que ele chamava o Perrone, naquela época acima dos 100 quilos. “Fala, Magrão”, respondemos. “O que vocês estão fazendo aqui em São Paulo?”, quis saber ele. “Viemos pra a sede da Folha”, o Perrone respondeu. E aí o Magrão mandou: “Então vocês entraram numa Frias, hehehe”.
Ao longo daquela noite, nos revezamos entre fazer nosso trabalho e ficar de olho no Magrão. Concluídas as apurações, enviados os textos para a redação, nos sentamos na mesa dele. E aí foi só diversão. Sócrates disparou frases memoráveis: “Não quero uísque. Festa do São Paulo é assim, só uísque. Se fosse vitória do Timão, era espetinho de carne e chope na casa do Biro-Biro. Aqui não tem cerveja?”. Um garçom saiu correndo e voltou com um balde lotado de Heineken long neck: “Achei isso pro senhor, sou corinthiano!”, disse o homem ao entregar as brejas ao Doutor.
Raí passou pela mesa diversas vezes. Em todas, abraçou e foi abraçado pelo irmão. Beijou e foi beijado pelo irmão. Sócrates fazia piadas com ele. Dizia que o caçula da Dona Guiomar era a melhor coisa que a família tinha produzido em termos estéticos e futebolísticos. Nem o Raí acreditava. Quando tocaram o hino do São Paulo, os dois se abraçaram e cantaram juntos. O irmão mais velho dava um belo exemplo de amor e carinho.
Pô, mas era o hino do São Paulo!, poderá dizer um corinthiano mais fanático. Sócrates estava muito acima dessa rivalidade recentemente extrapolada pelos imbecis. Até o garçom corinthiano se emocionou.
No final da noite, um rapaz se aproximou da mesa, onde ouvíamos a milésima história do Doutor. “Meu tio jogou com você”, disse ele ao Sócrates. “Meu tio era o Picolé”, continuou. O Magrão mirou o rapaz, abriu um sorriso e mandou: “Então você deve ser o sundae de chocolate. Senta aqui, cara”.


Alberto Bombig, são-paulino, fã do Sócrates e jornalista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário