sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Vale a festa



É surrado, é chavão, mas é o melhor que se pode dizer: uma imagem vale mais do que mil palavras.
A imagem foi é de autoria de Rahel Patrasso/Frame/Folhapress.
Foi clicada no momento em que o Itaquerão foi anunciado como sede da abertura do Mundial.
Itaquerão é uma obra de construção de um estádio para 45 mil pessoas, com um puxadinho para fazerem caber mais ou menos 60 mil. As obras começaram em fevereiro deste ano. Quem está construindo é a Odebrechet. O presidente do Conselho do Corinthians diz que ainda não há contrato assinado, mas que já foram gastos uns R$ 50 milhões até o momento. O custo total vai passar de R$ 1 bilhão, nas palavras do próprio presidente corinthiano, Andres Sanchez. Sanchez disse, em depoimento gravado pela revista Època, que um dia que contarem direito esta história (até agora ninguém contou), pode ficar desconfortável para o ex-presidente Lula.
O ex-presidente é corinthiano e pelo que a matéria da Època descreveu fala ao celular constantemente com Sanchez. Deve ser verdade. Lula participou da cerimônia que deu início à construção do estádio, na zona leste da cidade.
Boa parte do estádio vai ser financiado com dinheiro público, por meio do BNDES (banco de fomento). Isso significa que, com o imposto que o governo arrecada, o banco empresta para obras consideradas prioritárias e que tragam desenvolvimento ao país. Os prazos são mais amplos e os juros são bem menores do que os de mercado. Se quem tomou não pagar, a conta vai para a Viúva.
O BNDES ainda não emprestou porque não há garantias de que o empréstimo será pago. Uns dizem que é a empreiteira que vai pagar, outros que será o Corinthians. O Corinthians tem R$ 200 milhões em dívidas, mas é inegável que hoje é a marca que mais vende no Brasil. Tem uma torcida grande, cobra ingressos caros (é campeão de arrecadação no futebol brasileiro da Série A) e conseguiu um senhor contrato de direitos de transmissão com a Rede Globo, além de cotas grandes de patrocínio.
Corinthians e Flamengo são os clubes mais bem pagos pela televisão, muitos degraus acima dos demais. O presidente do Corinthians já chamou os dirigentes da Globo de gangsteres. O dirigente é aliado de primeira hora de Ricardo Teixeira, presidente da CBF. A CBF é quem comanda o calendário do futebol brasileiro. O presidente da CBF tinha boas relações com a Globo. A proposta da Record para os clubes de futebol era reconhecidamente melhor, mas a CBF e o Corinthians ajudaram a implodir e a fechar com a Globo. Os clubes ganharam menos, mas ficaram na emissora líder. Dizem que foi tudo calculado: a exposição na Globo vale mais para os patrocinadores. Uma conta compensaria a outra. Além do quê, mais gente vê o jogo. Fica mais fácil de conseguir torcedor.
Só o dinheiro do BNDES não paga o estádio do Corinthians no preço que ele está sendo divulgado. Estádios na Europa, cuja mão de obra é mais cara, foram construídos por menos da metade deste valor. Outras arenas do Mundial vão custar bem menos. Mas este é o preço do estádio Itaquerão.
Como ninguém quer assinar o cheque, os governos do Estado e a Prefeitura fizeram uma série de concessões. Quem investir no estádio não precisa pagar imposto. A própria obra terá uma estrutura diferenciada de cobrança de taxas e tributos. É uma boa troca, a princípio. Serão mais ou menos R$ 420 milhões em concessões.
Isso significa que os governos abrem mão de receita para que os empresários possam investir numa obra. O estádio terá um dono privado, que vai ganhar dinheiro o resto da vida com isso.
Não foi deixado claro quem já aderiu e está colocando dinheiro no estádio, nem bem quais serão as contrapartidas do governo.
Sabe-se que haverá uma série de obras no entorno. Isso é muito bom. A região nunca foi, historicamente, bem atendida pelos governo. Dizem, sem comprovação, que a Odebrecht vai fazer estas obras. Se isso for verdade, a fiscalização dos valores das obras deveria ser muito rígida. Sem insinuações. Para o bem da própria construtora. Não basta ser honesta, tem que parecer honesta.
Mas quem fiscaliza obras no munícipio é o TCM (Tribunal de contas), cujos membros são colocados lá pelo prefeito, Gilberto Kassab. O prefeito está em níveis muito baixo de popularidade, segundo institutos de pesquisa. A avaliação da população é que ele não faz bem o que deveria.
Talvez tenha contribuído para isso o fato de que ele esteja se dedicando muito à criação de um novo partido, onde ele mesmo vai mandar. Esta sigla se chama PSD. Ela nasce para ser um partido que não é de centro, nem de direita, nem de esquerda. Ou seja, abraça tudo e a todos.
Ele é considerado um gênio político. Com este partido, atraiu um monte de gente que estava na oposição, mas louco para ser governo. E gente que se achava maltratada e que hoje em dia queria poder ter a chance de dialogar, pedir espaço, pedir verba ou sei lá o quê.
Kassab apoiou Serra, de quem era apadrinhado, para presidente em 2010. Mas agora diz que pode apoiar Dilma em 2014.
Kassab dizia que não haveria dinheiro público para a construção de estádios em São Paulo. Esta promessa ele não manteve.
Ele também fez outras promessas que não foram cumpridas. Por isso talvez sua popularidade esteja baixa. Mesmo assim, ele entende que conseguirá fazer seu próprio sucessor no ano que vem. Para isso, precisa de um bom legado, aparecer bem nas fotos e precisa de financiamento. Construtoras foram grandes financiadoras de suas campanhas passadas.
Kassab não está sozinho, porém. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também dizia que não haveria dinheiro público na construção do estádio do Mundial. Alckmin aparentemente mudou de ideia. Em 2008, Alckmin achava que Kassab era um mau prefeito. Tanto que se candidatou à Prefeitura, mesmo não sendo esta a ideia do seu partido, o PSDB. Aparentemente, Alckmin mudou de ideia e de opinião.
Andres Sanchez, Alckmin e Kassab comemoram a vitória do Itaquerão como estádio para sediar o Mundial, em um descampado onde hoje não existe nada e daqui a três anos, R$ 1 bilhão e muitas perguntas sem respostas haverá um bonito e particular complexo esportivo.
E as pessoas poderiam se indignar, cobrar explicações ou achar que isso não é exatamente legal. Mas ninguém está muito interessado. O que vale é a festa.